quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A espada de Miguel, por Carmen Monteiro

A espada de Miguel

O fato era o seguinte, a espada de Miguel era sua última esperança de mudança.
Já tinha tentado de tudo o que pudesse para que algo se movimentasse.

Acabou a manta inacabada.

Aqui abrir um parênteses é necessário:

Sentia a sua incapacidade a cada visita da manta em suas mãos doídas de frio e saudade
cada inverno que ia e vinha...
Tudo bem,
ela não desmanchava a tal manta a cada ano,
como em histórias de mitos.
Contudo,
era como se isto ocorresse,
tamanha a lentidão
para chegar ao fim do trabalho.
Quase fez promessa,
mas não foi preciso.
Tomou coragem e muita água da fonte
e acabou a manta.
Fez promessa consigo mesma
para ser feliz.
Fecha-se aqui um longo parênteses.

Plantou árvore e ainda viu os frutos crescerem.
Viu os frutos sendo comidos e
ainda previu a morte da árvore amiga.
Ninguém a ouviu e ela não teve forças para defender,
nem a árvore, muito menos a si mesma e assim,
a morte da amiga árvore se deu em pouco tempo depois.
Um pouco dela se foi ali, mas ninguém se deu conta.
Plantou no lugar de marias-sem-vergonhas,
inúmeras impatiens, primas mais elegantes e nobres,
tão coloridas quanto, mas com muito mais vontade essencial de pressa e mudança.
Porém, de nada adiantou.
As impatiens ali se aquietaram, floresceram, adormeceram
e se foram, tão coloridas como surgiram em suas caixas de mudas. Fez pão, parou de fazer pão.
Fez mudança de hábitos, e destes não abriu exceção em suas convicções.
Chamou Deus, São Longuinho, Maria, chamou tantos santos e anjos quanto seu coração se lembrasse e do quanto poderia trazer de suas memórias de menina.
Isto adiantou muito, mas não pra ela exatamente ou diretamente, isto adiantou foi pra muita gente e ali ela viu o poder de dar esperança a quem se perdeu no meio de caminhos desacertados.
Ali, ela sentiu o poder do amor que transforma e nisto ela era fiel.
Foi procurada por uns, procurou por outros e deu com a cara na porta.
Teimosa que foi, insistiu, porque afinal, era brasileira e não desistia nunca, o que afinal, era uma grande bobagem de politicada, mas ela, mesmo assim, tentou, porque acreditava na mudança e no respeito que ainda via nas relações.
Fez-se candidata do Universo, abriu-se para mudanças, percebeu a lentidão dos tempos em sintomas que seu corpo cansado, apresentou.
E aí, sem mais acreditar em nada, se manteve acreditando, pois sem acreditar não haveria porque viver e a vida era bela, mesmo assim, cheia de detalhe e digna de celebração.
E então, seguiu para a última tentativa.
A espada era grande, fálica e libidinosa se assim a pscicanálise a visse, mas ao mesmo tempo era espada e tinha função de corte. Ali embutida a sua falta de resignação e revolta pois, menina que era se contrariava em ter que pedir a tão grande homem ajuda em seus problemas.
A vontade de vida mais leve e plena a fez se manter na convicção.
Pediu com o coração todo o corte negativo que a mantinha na dor.
Pediu libertação, pediu melhora e principalmente melhora pra si mesma como ser e isto porque queria ter a esperança de ser amada por si mesma um dia e para ser amada havia de mudar, não tinha mais como adiar o que em outras vidas ela tinha tanto potencial de incendiar mudanças.
A espada luminosa se apresentou, Miguel, mais enorme que sua própria casa sorriu e manteve sua determinação:
o que pediu , será feito!
Sentiu daí leveza em seu corpo.
Os cordões negativos que a mantinham ligada a tantas outras pessoas e situações eram tão densos que pesavam em seu físico.
Viu-se leve e feliz.
Mas felicidade assim, dura pouco, o movimento de corte movimenta placas, movimenta terras e águas.
Sua felicidade e leveza era dor no corte do vício.
Pior que isto, o que pedia a Deus que fosse negativo, surgiu como algo mais fortemente insano e amado, era até capaz de ver o que naturalmente, não era passível de se perceber na luz do dia.
Era um cordão azul luminoso, de uma sutileza tão leve e forte se assim pudesse haver na Terra algo tão contraditório que nem ela mesma não tinha como absorver um entendimento. Era intenso e notadamente neutro, como era aquele sentimento verdadeiro, que nem tinha coragem de nomear.
Ao mesmo tempo, a revolta era tamanha em sua alma, pois com o corte, a principal meta era se livrar do danado que, de tão distante, se manteve também, o quanto pôde, absurdamente surdo e cego e mudo.
A certeza deste cordão sobrevivente era então, em vez de liberdade, dor,
porque percebeu que nem Miguel era capaz
de romper com sua espada o que mesmo apesar das aparências era, na verdade, não corruptível.
“E agora, Miguel?
Que faço eu, se você cortou minha última esperança?
A manta não tenho mais como continuar.
Volto então, a plantar flores, amassar pães, chamo novamente por todos os santos quantos haja neste Universo?
Aguardo a boa vontade de quem não mais enxerga a ponta de seu nariz, aquele que, sem óculos, não é mais capaz nem de pagar a conta de suas compras?
Mantenho a instigar a esperança mesmo sem acreditar na minha esperança?”
Por esta, ela não esperava, Miguel.
Nem eu.

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